Aquilo que me inspira, levo para casa.




22.9.17

5 livrarias a não perder em Berlim

Pode-se visitar Berlim por muitas razões. É uma cidade cosmopolita que convida a imergir no seu lado histórico para se desaguar nas suas ruas de comércio inovador com atmosferas cuidadas e convidativas. É fácil andar pelos vários bairros desta metrópole, quer a pé, quer utilizando as diversas bicicletas disponíveis para esse efeito. Sendo uma cidade plana e com uma quantidade de trânsito tolerável, a fácil mobilidade torna apelativos os passeios pelas suas longas avenidas principalmente quando entrecortados com pausas que dão lugar à ociosidade. 

Para além dos cafés, que enchem de graça as ruas de Berlim, e que não ficarão de fora deste artigo, gosto em particular de livrarias. Sendo espaços de liberdade de movimentos, podemos folhear um livro ou uma revista e enchermo-nos de mundo, de actualidade, de conhecimento ou de tendências. São, por isso, para mim, lugares de eleição para as pausas necessárias cumprindo ainda a função de me actualizar naquilo que se escreve e se fotografa pelo mundo fazendo-me sentir parte dele. As livrarias são feitas de mundo por acomodarem as visões e perspectivas dos autores que lhes dão conteúdo ao mesmo tempo que as confrontam com as percepções dos leitores. Esta pluralidade legitima-as enquanto polos de visita e por esse motivo incluo-as sempre no meu roteiro de locais. Em Berlim não foi excepção, pelo contrário, foram o mote para alguns dos dias.

Assim, elenco aqui a minha lista das 5 melhores livrarias independentes de Berlim, no que diz respeito a títulos (livros e revistas) no âmbito da actualidade, design, fotografia e lifestyle. Para saberem mais pormenores acerca das mesmas, tais como horários e localização, basta clicarem no nome de cada uma para acederem aos seus sites.


Bildband Berlin

Inaugurada em 2015, numa rua calma do Mitte, esta livraria oferece uma excelente selecção de livros de fotografia. De pequena dimensão, é muito fácil consultar todos os títulos expostos e contar com a simpatia dos seus anfitriões. Este espaço alberga ainda exposições temporárias de fotografia e é um excelente pretexto para sair da zona mais central da cidade. Como complemento, experimentem tomar um café no No Fire no Glory situado umas ruas acima.








Esta é uma livraria de âmbito mais alargado, onde livros e revistas de diferentes temáticas partilham o espaço marcado por uma estrutura cinza feita de aço que demarca a zona das escadas para o piso superior. Fundada em 1999 é já um clássico no encontro entre a pesquisa académica e a produção artística. Com paredes totalmente vestidas de livros e revistas, é difícil resistir à tentação de trazer algo para uma leitura mais atenta. Se sair de lá com algum objecto de leitura, sugiro que o aprecie enquanto saboreia um maravilhoso bolo de cenoura caseiro no Oliv.






Soda

Não muito longe da Pro qm, na esquina entre a Torstrasse e a Weinbergsweg, existe outra livraria de especial interesse. Com uma excelente selecção de livros e revistas internacionais, há uma forte probabilidade de sairmos de lá com o próximo destino de férias escolhido dada a variedade de edições dedicadas a fotografias de viagem. Com estantes claras e um ambiente acolhedor, esta livraria pode servir de pretexto para descer a Rosenthaler Strass e fazer uma paragem no restaurante vitnamita Mivadu onde o esperam diversos tipos de Pho, a famosa sopa daquele país.




Do you read me?

Outra livraria icónica, não muito distante das anteriores, e que facilmente responde às exigências de um leitor que procure livros e revistas internacionais contemporâneos. Com vista para um pátio, onde o verde contrasta com a decoração mais escura do seu interior, esta é das livrarias mais concorridas de Berlim juntando locais e estrangeiros com a mesma avidez de leitura. Revistas de moda fazem as delícias de muitos dos seus visitantes ou não fosse esta uma livraria da moda justificando perfeitamente a redundância desta associação. Para contrabalançar a urgência de leitura suscitada por este local, sugiro a visita ao Five Elephant, um café de atmosfera minimalista localizado no coração do Mitte.






C/O Berlin

Da minha lista das 5 livrarias a não perder em Berlim, esta é a única que se localiza fora do bairro do Mitte e a única que pertence a uma fundação, C/O Berlin, a qual oferece programas culturais como exibições e palestras relacionadas com fotografia recorrendo a artistas consagrados nesta área. A livraria, enquadrada num espaço amplo, apresenta não só títulos relacionados com as exibições patentes na casa que ocupa, como também outras edições dando a conhecer novos talentos na fotografia. Os entusiastas desta arte encontram aqui um exímio espaço que convida à leitura descontraída num dos vários pufes que se exibem na área envolvente. De seguida, pode tomar um sumo no Funk you localizado no belíssimo Bikini Berlin onde poderá desfrutar de uma janela ampla com vista para o Jardim Zoológico de Berlim.



28.7.17

A luz da Islândia

Campo de flores às 23h

Era para não ter acontecido. Não que não tivesse sido dedicadamente planeada - objecto de amor desde que decidida - porém, as circunstâncias pareciam empurrá-la para ser alvo da prudência. Tentámos adiá-la na iminência de ser realizada numa altura melhor para os nossos ânimos. Mas não foi possível e foi esse impossível que nos fez felizes durante os 7 dias que percorremos a Islândia num círculo perfeito.   

A Islândia é o país ideal para quem gosta de natureza e de ser surpreendido por esta a cada instante. O assombro é a emoção distintiva de quem visita esta ilha. Apesar das suas pitorescas cidades, e em especial da sua capital Reiquiavique, terem uma oferta mais próxima do tipicamente citadino, é nas suas paisagens desérticas e afastadas dos polos de construção humana que reside a exuberância do seu encanto.

Cada local é exclusivo na sua beleza e é na sua singularidade que encontramos o motivo para nos apaixonarmos por cada espaço. Na Islândia, a paixão tem o perímetro da sua dimensão porque toda a ilha é capaz de fazer renovar o nascimento deste afecto.

Há vulcões, crateras, glaciares, campos de lava, águas termais, montanhas, neve, campos de lupinos, cascatas, lagos, mar; Há muito verde, amarelo, castanho, lilás, branco, azul; Abunda a imensidão, a quietude, a paz, a calma, o sossego, o desapego pelo mundano.

Gostei particularmente de não haver noite. Apesar de existirem horas definidas para o pôr e o nascer do sol, na realidade nunca escurece e para quem está maravilhado com a natureza em seu redor, saber que esta se encontra sempre visível, é uma bênção que faz perdoar as temperaturas mais frias advindas da proximidade ao polo norte. E depois, ter connosco, durante muitas horas, aquela luz de fim de tarde, oferecendo ao horizonte a tonalidade delicada de um sol esbatido mas que não se vence, é ter a noção de que os dias são intermináveis e de que tudo adquire uma cor de postal sem precisar de filtros de embelezamento.    

Em 7 dias dá para ver muita coisa, a grande maioria das atracções ficam próximas da principal estrada que dá a volta à ilha- Ring Road- e por isso não nos sentimos defraudados com o que vimos numa semana de viagem. Ainda assim, mais tempo teria permitido maior descoberta e mais contemplação, atributos que teriam tornado a viagem ainda mais memorável. Acredito que as surpresas que a Islândia reserva, e que estão fora dos principais circuitos turísticos serão, com certeza, muitas e por isso, alugar um carro que permita aceder a terrenos mais difíceis permitindo singrar pelo interior e pelas terras altas da ilha seria com certeza algo que não nos iríamos arrepender. Porém, esta expectativa não cumprida servirá de âncora para um regresso (para além das muitas outras que fomos deixando nas nossas paragens). 

Para já fica guardado, em espaços privilegiados da memória, tudo o que vimos e sentimos durante esta semana. Soubemos respeitar os nossos tempos e os nossos desejos em conexão com as particularidades de uma natureza tão inóspita quanto fascinante. Conseguimos celebrar a vida e aquilo que este mundo gigante oferece. Sítios assim, que nos oferecem um mundo terreno que nos aproxima do transcendental, fazem-nos sentir a alegria imensa do que é viajar fora e dentro de nós no sentido do nosso crescimento pessoal, da cumplicidade com quem partilhamos o momento e da serenidade que se perpetua enquanto as memórias eclodirem com maior expansão.  


Voo pela Icelandair

Lagoa Azul
Reiquiavique
Gullfoss
Geysir
Kerid
Skogafoss
Seljalandfoss
Black Sand Beach- Vik
Vik
Dyrhólaey- Vik


Glacier Lagoon
Glacier Lagoon
Ring Road
Campos de Lava
Lagarfljót
Lagarfljót
Ring Road
Dettifoss
Dettifoss
Hverir
Krafla
Prato de bacalhau (deliciosamente confeccionado no Fosshotel Myvatn)
Sala do restaurante do Fosshotel Myvatn
Algures a atravessar a Islândia
Akureyri
Siglufjordur
Hvitserkur

7.6.17

De outros tempos


- “Pratos, copos, talheres, guardanapos, toalhas…” 

A lista ia sendo dita enquanto se ultimavam os afazeres para ir para a praia. A geleira cor de tijolo ia sendo preenchida com a comida acabada de fazer e com as bebidas que a acompanhariam. Panados de frango e salada russa com maionese caseira era, invariavelmente, o menu dos domingos de verão na Tróia. Para além da geleira outras malas se amontoavam com toalhas, rádio a pilhas, revistas e outras utilidades indispensáveis a um dia de sol. A colmatar a bagagem, seguia a sombrinha de cores garridas levada a tiracolo. 

 - “Bebidas, bronzeador, revistas…”

- “Sim, está tudo, podemos ir”. 

 A frase que, dita pela minha mãe, assinalava a ordem para fechar a porta e colocar no carro a carga de veraneio. A sentença que me liberava do confinamento do lar para ir ao encontro do mar e do vento libertador. 

Sempre conheci os meus pais a gostarem de praia, o calor dos seus dias livres era serenado pela ida à praia onde por entre banhos de mar, se sentavam ao sol enquanto ouviam os parodiantes de Lisboa e liam as novidades breves oferecidas pelas revistas. Havia vezes que o meu pai transportava com ele um livro. Lembro-me de ver “O Prémio” no fundo da mala da praia apesar de apostar que poucas linhas foram alvo da leitura do meu pai. 

As filas para os barcos eram por vezes enormes. Um amontoado de pessoas debatia-se por chegar o mais depressa possível junto do funcionário que aceitava os bilhetes rasgando-os e deixando que os seus despojos se espalhassem pelo ar. Por entre pisadelas e corpos demasiado próximos, avançávamos a um ritmo lento enquanto as mãos apertavam, assertivamente, os bilhetes para não os perder. Os dos meus pais eram pequenos rectângulos acartonados de cor verde água, o meu, maior, de papel mais fino e branco, denunciava a minha pouca idade. 

Enquanto atravessávamos o Sado no ferry boat ferrugento de cor branca, contávamos as alforrecas que adornavam o mar. Havia dias que a contagem ultrapassava as três dezenas, baliza esta que se associava à exclamação feita de entusiasmo:

 - “Tantas, pai!!!” 

A escolha pelo sítio onde ficar não nos roubava muito tempo. Na altura era comum ficar-se na pequena praia em frente ao cais e por isso o dia era passado a ver chegar e partir os barcos que transportavam pessoas e carros num vaivém que alegrava as gaivotas. 

Enquanto a minha mãe tirava da mala as toalhas e me ajudava com as roupas, o meu pai montava a sombrinha sob a qual nos protegeríamos do calor mais forte. Antes de aquecermos o corpo ao sol, inaugurávamos o dia com um mergulho no mar. O primeiro passo para a água era, sistematicamente, feito com cautela, prevendo a frieza da água. Os seguintes eram dados de forma ligeira embora cada um de nós tivesse o seu próprio ritmo. O meu pai era o primeiro a mergulhar, quase sempre num ímpeto para depois nadar durante algum tempo. Para ele a água estava sempre boa, mesmo que o seu corpo arrepiado parecesse acusar o contrário. Eu seguia-lhe os gestos, embora de forma mais lenta mas quase sempre deixando para trás a minha mãe que se manteve fiel à sua posição de retaguarda. Os momentos em que estávamos os três dentro de água acabavam por ser diminutos face ao tempo que demorávamos a consegui-lo. Ainda assim, aproveitávamos para mergulhar, nadar, saltar e deixar que a água nos contaminasse com a sua energia refrescante. 

Seguia-se o almoço cuidadosamente acondicionado. Iniciava-se a cerimónia da refeição distribuindo-se os pratos de plástico amarelo e as canecas azuis. Depois, esperavam-nos várias horas sem poder regressar ao mar, salvaguardando uma digestão sem sobressaltos. Era durante este tempo que nos dedicávamos a ler, a observar os outros e a ouvir o som roufenho do pequeno rádio a pilhas. 

 Já em pequena gostava da multiplicidade de cores e padrões que abundam nas praias. Uma espécie de vida paralela cheia de um entusiasmo alegórico. É como se na praia não valesse ficar zangado ou triste, porque tudo se ordena para a gloriosa manifestação de um dia feliz. Por isso guardo estes dias com especial saudade. Uma nostalgia doce e simultaneamente carregada de um simbolismo de perda. Não há passado recordado sem perdas mas a verdade é que mantenho o gosto pela praia e pela sua envolvente. Hoje em dia dispenso o piquenique tão a preceito de outros tempos, optando por uma versão alimentar mais minimalista, mas não em desmazelo. Contudo, mantenho as sequências de outrora como se de uma herança genética se tratasse. Preservo a necessidade de inaugurar a estada na praia com um banho rápido, de sentir a temperatura com que a água me espera e gosto de sentir o sol a queimar-me enquanto como antes de abraçar a serenidade da sombra. Muitos dos livros que li foram tragados durante as horas passadas na praia, uma verdadeira catarse contra a ociosidade (ainda que esta, em ambiente de estio, seja puramente saudável).

22.5.17

Estou sentada em cima da caixa que guarda as minhas palavras. Desconfio que a caixa transborda mas o meu peso não permite que esta se abra. As palavras são pacientes. Feitas daquela tolerância que, em tantos momentos, foge do mundo. Sei que aceitam esta clausura porque mantêm a esperança na liberdade que as espera.

Porém, sem que eu lhes diga, assumo que nem sempre sei o que fazer com elas. Sinto-me a reunir significados, coisas bonitas, um mundo que me chega pelos sentidos. Coleccionáveis que junto na minha memória e me oferecem o ar com que respiro e mantenho aberto o meu coração. Mas as palavras- ais as palavras- teimo em remetê-las para a caixa, em sabê-las mudas e quietas porque não transparecem aquilo que guardo com tanta limpidez. Porque as acho pobres, diminutas, incapazes de exprimir aquilo que sinto, as emoções intrincadas de quem tem tudo à flor da pele.
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Quando observo o mundo, sinto-as ganhar uma nova vida, pressinto-lhes a dança que as entontece, sinto-lhes a avidez de se oferecerem à minha reflexão. Engano-as, contudo, persistindo no silêncio, conjugando firmemente o verbo calar, porque escuto sem palavras e vejo com palavras a mais. 

E enquanto brinco neste jogo de palavras - escondidas, sossegadas, insufladas de mundo visual - eis que as liberto de forma serena, ao compasso de uma inspiração tímida, ao encontro de uma vontade de tons ténues.