Aquilo que me inspira, levo para casa.




31.3.14

:: este é um post sobre um tema que não se quer ::

"… a sociedade olha para a terceira idade como uma espécie de segredo vergonhoso que não deve ser mencionado. A velhice é uma verdade incontornável pelo qual todos os seres humanos terão que passar; e que talvez por ser tão assustadora, seja evitada. Todos vamos envelhecer; contudo pouco reflectimos sobre este facto. Actualmente apesar de existirem muitos projectos sociais, como este centro de dia em que as condições físicas e emocionais dos idosos são cuidados, existem ainda milhares de idosos em Portugal (e não só), em situação de infelicidade e desamparo extremo." Constança Saraiva em Arte e Comunidades- Um arquivo poético sobre o envelhecimento.


Por um acaso este livro veio parar às minhas mãos enquanto os meus olhos se enamoravam de um outro. Foi um feliz encontro, afirmo-o com a legitimidade de quem se encontra no epílogo da sua leitura. Um livro terno, sério e artístico que aborda, com um lindíssimo conteúdo, um assunto que magoa e que muitas vezes envergonha pela débil forma como é encarado e encaixado nas prioridades da sociedade. Este livro não é um romance, é uma tese de mestrado que resultou na criação de um Arquivo Poético (conceito inovador) sobre o envelhecimento.  Baseado no Centro Social da Sé em Alfama consistiu numa investigação teórico-prática sobre Arte e Comunidades, sobre as questões da velhice, o modo como a valorizamos e a sua curiosa ligação à infância.  Com uma edição numerada, cheia de detalhes que tornam a sua leitura numa contemplação de uma peça de arte, o seu conteúdo pesa pela força do tema, ainda que a sua abordagem consiga amenizar a perspectiva de sofrimento e de desamparo que reveste a velhice. A arte pode desempenhar um papel na sociedade muito para além da abordagem meramente estética. Tal como é concluído no livro" as práticas artísticas com comunidades têm o potencial de alterar não apenas as perspectivas sobre a nossa realidade, mas também a própria realidade. É com base nessa convicção que esta publicação faz apologia de tais práticas. Lenta e localmente, alteram pessoas, suas realidades e relações. As práticas artísticas com comunidades contribuem para um mundo com mais sentido de comunidade e de preocupação com o outro."

Para além do aspecto estético do livro, da inovadora abordagem do estudo, dos resultados interessantes e da ligação da arte, por vezes demasiado afastada da maioria das pessoas, aos projectos sociais, este livro faz-nos pensar neste tema que teimamos em arredar para os esconsos do pensamento. O envelhecimento é, desejavelmente, uma realidade inabalável no ciclo de vida de cada um. No entanto, tal inexorabilidade não leva a uma tomada de consciência e a um planeamento activo dessa fase da vida. Não é fácil falar da velhice e muito menos pensar nela. É como se a ausência de pensamento de alguma forma a afastasse ou criasse uma espécie de barreira aos constrangimentos que esta fase da vida oferece. O envelhecimento é ignorado, negado e adiado ao máximo e a velhice é encarada como um fim, uma validade que expirou, como algo que se gastou e que importa somente manter até que o destino dite o momento do corpo sucumbir. Mas muitos dos nossos idosos morrem antes do seu corpo. Traídos pela sua própria memória ou atraiçoados por uma sociedade que pouca importância lhes dá. Na sociedade, o valor de cada um é medido pelo seu contributo no momento, não importando os contributos acumulados, o histórico de boas acções para o bem comum, mas somente o potencial do contributo no presente e no futuro. E se o futuro é teoricamente utópico na velhice, também o presente é uma quimera que se resume a gerir um dia a dia de abandono, solidão, desesperança e desamparo. Atribuir uma validade a uma vida antes que o destino dite esse momento, é condenar antecipadamente essa pessoa a uma sensação de inutilidade crónica que reverterá em tristeza e depressão as quais sem tratamento, apenas servirão para validar essa inutilidade que, de outra forma poderia facilmente ser denunciada como uma falsa verdade. O respeito por todos independentemente da idade, o apoio social, principalmente a situações de carência, dependência e solidão, a criação de infra-estruturas e a formação de profissionais habilitados a lidar com idosos, a inclusão de serviços de proximidade que vão ao encontro das necessidades deste público, a promoção de actividades lúdicas, culturais e cognitivamente estimulantes, a dignificação da sabedoria e da experiência de quem acumula mais anos de vida, são apenas exemplos de práticas que deveriam estar incutidas na sociedade. Obviamente que a sociedade não acumula todas as responsabilidades. Cabe também às famílias reunir amor, carinho, respeito, compreensão e aceitação. Num mundo perfeito a velhice seria encarada serenamente e com sabedoria e admiração. Num mundo imperfeito a luta pelos valores e direitos básicos manterá a sua actualidade sem cair no envelhecimento.

26.3.14

:: espaços ::


Gosto de minimalismo. 
De espaços cheios de coisas nenhumas. 
De luz e ar a ocuparem os lugares. 
Gosto de arquitectura e de arte e de história 
e de tudo aquilo que dá significado. 
Gosto do gótico suave. 
Gosto de histórias de amor.  
Gosto da grandiosidade, da monumentalidade. 
Do sentirmo-nos pequenos perante o imponência de paredes cruas.








24.3.14

:: dias meus ::




O local, sem dúvida, ajudou. A companhia, foi fundamental. Ambos, tiveram primazia na tarefa de me desconectar do mundo que, naqueles dias, ficou para trás. A natureza, soube embalar e afinar algo que, já por si, pouco fugia do tom.  De resto, foram os livros, os momentos calmos, as conversas sem agenda, o fluir no tempo, a comida perfeita, os sorrisos alheios, os sons que se ouvem ao longe, os objectos tocados de perto, os acordares em ambiente de magia e as imagens que não se consegue deixar de fotografar.  Nestes dias assim, alheio-me de todos os outros dias que, sendo meus, nem sempre me pertencem na totalidade. São também dias de outros já que são esses outros que me impõem muitas das acções que tenho de cumprir, muitos dos rituais que, numa obediência nem sempre voluntária, tenho de concretizar. Por isso venero os dias que são só meus por direito e por natureza já que só de mim dependem e para mim se deixam fluir. Nem sempre é fácil esta evasão, quase sempre necessita de paredes diferentes das que habitualmente me acompanham e de alguns quilómetros percorridos na estrada. Para mim, o ambiente que dista é aquele que verdadeiramente nos limpa dos restos dos outros dias. Daqueles que não são meus por inteiro. Daqueles que têm demasiado dos outros sem que estes se importem se o meu espaço é mantido. Estes, pelo contrário, foram dias meus, cheios de mim e repletos de nós.








Todas as fotos foram tirados no Cooking and Nature Hotel, nos Alvados

11.3.14

A minha montra #2



Juntar peças que me agradam, e fazer o meu próprio reportório de montras, é algo que me dá satisfação genuína, quase como se regressasse às composições da escola mas em vez de letras tivesse de reunir objectos que, juntos, criassem um conceito. Desta vez reuni um conjunto de produtos de origem portuguesa, criados com o objectivo de servirem diversos fins, cujo ponto em comum foi servirem de prova na confirmação do bom gosto, da criatividade, da qualidade e da bem doseada relação entre modernidade e tradição que revestem a criação e o comércio nacionais.  

A minha montra tem:
  • Uma manta tradicional vinda directamente desta fábrica;
  • Produtos para comer que são deliciosos e fabricados aqui;
  • Chinelos de trapo, tais como as bonecas do tempo da avó, que podem ser comprados nesta loja;
  • Um livro que é exemplo da boa arquitectura portuguesa;
  • Uma revista que é exemplo das excelentes edições portuguesas;
  • Uma embalagem de limpa metais que também limpa corações (da fábrica dos produtos coração);
  • Um perfume para a casa que dá confiança e cheira magnificamente bem;
  • Dois blocos de apontamentos ilustrados à portuguesa.

9.3.14

:: o sol, ainda assim, é o melhor artista que conheço ::



Diga-se o que se disser, há festa nos dias de sol. Principalmente quando os dias anteriores nos encerraram em trevas.  Fartos de céus que derramam lágrimas, este foi um fim-de-semana de soltura, de pôr em dia as necessidades de um espírito que gosta de ir ao encontro das novidades e de um corpo que quer sol a aquecer as suas artérias e ruas para exercitar os pés.   Foi assim, este sábado, pelas ruas de Lisboa. A cidade juntou-se à festa de cada um e, num colectivo urbano, conseguiu oferecer ruas animadas, amareladas pela luz do sol. Se houvesse vozes nas calçadas acho que conseguiria ouvir um cantarolar alegre de quem mata saudades daqueles que passeiam. Não havendo vozes, vi muitos corpos descontraídos, sentados pelos jardins, mantas a servirem de colchão em camas de relva, livros pelo colo, músicas privadas junto aos ouvidos de cada um. Mas não só de Lisboa rezou o fim-de-semana. Os restos de sol foram apanhados em Cascais onde fui conhecer um projecto bem interessante, ou não incluísse este arte na sua essência. A Cidadela Art District é uma iniciativa do Grupo Pestana, que tem lugar na Pousada de Cascais a qual albergará um novo espaço para a criação artística em Cascais - um Distrito Artístico – cujo objectivo é trazer a arte contemporânea ao dia a dia dos habitantes através de um programa regular de exposições. Na sua abertura contou com vários opens studios, galerias e com alguns dos quartos da pousada contendo intervenções artísticas de artistas convidados.  Um ponto de passagem que com toda a certeza passará a ser obrigatório no meu roteiro cultural.


Nota: A intervenção da imagem de cima é de Paulo Arraiano, a da imagem de baixo é de Bruno Pereira. Ambas estão inseridas em quartos da Pousada de Cascais.

8.3.14

Frases que ficam #2

A propósito do Dia Internacional da Mulher, a propósito do quanto me revi nas palavras desta autora e porque a literatura no feminino é, por vezes, escassa, as frases que me ficaram foram retiradas do 1º volume da revista Granta e pertencem a Dulce Maria Cardoso.

"Adoecer fecha-nos mais sobre nós próprios, tornamo-nos menos capazes de compor as máscaras com que nos escondemos. Talvez, então, ao ficarmos doentes deixemos de ter grande parte da capacidade de mascarar de forma original o facto de sermos todos uma e a mesma coisa. "


"Pertencemos aos nossos pensamentos. Para escaparmos do que somos temos de pensar de outra maneira. Mas não temos controlo em muito do que pensamos. Estamos condenados ao que somos capazes de pensar."

5.3.14

:: quente no Frio ::


Faz frio lá fora. Começa por ser do vento e da chuva miudinha que enfeita a paisagem. Termina vindo da neve que forra a branco todo o panorama visível através das janelas. Do lado de dentro dos vidros sente-se calor. Começa por ser do conforto oferecido por um hotel que tem nome e ambiente de casa, mas é aumentado pela troca de conversas entre amigos que se juntam. O frio de fora não se sente. Mesmo quando estamos na neve e a água nos encharca os fatos. Mesmo quando a chuva teima em ser tão companheira como qualquer um de nós. O frio é abafado pelo calor que emana dos risos evaporados e das palavras que se deixam transportar pelos átomos de uma atmosfera cálida.

Há muitos anos que não ia à Serra da Estrela porque a associação directa ao frio, me fazia temer um desconforto constante, porque a ideia de neve e de monocromia de cores na paisagem, me era tolerável somente nos postais e nas fotos dos outros. Sempre fui de sol e pouco dada a neve. Mas, ingenuidade minha, menosprezei o papel que um grupo de amigos, a partilhar roteiros e mesas de refeição, podem fazer por atenuar todo o possível desaconchego. Esqueci-me de colocar na equação o papel preponderante de uma boa conversa, de um pequeno-almoço tomado em cadência lenta, do respeito pelos hábitos e pelos ritmos de cada um, da partilha e principalmente da cumplicidade (esse conceito tão difícil de explicar e que é dos melhores que a natureza humana nos oferece).

Esqueci-me também que uma montanha com neve nos faz regressar ao mais pueril dos imaginários, aos sonhos quiméricos de contos de fadas, ao desejo constante de trazer connosco todos os pedaços de árvores, pedras, estradas, arbustos que se deixaram tapar por um manto de uma só cor. Esqueci-me imediatamente do frio quando o verde se envergonhou e me ofereceu a alvura somente contrastada com as cores alegres dos fatos daqueles que fabricavam bonecos de neve.

E depois há os locais de magnífico acolhimento, de serviço irrepreensível onde os mimos existem sem que por eles se pague, num acto genuíno de verdadeira hospitalidade. Locais bonitos, confortáveis, aos quais nos apegamos no primeiro momento porque nos sentimos verdadeiramente em casa. A Casa das Penhas Douradas está a 1500 metros de altitude mas fica bem perto do âmago de quem a visita, disso não tenho qualquer dúvida.  São os detalhes que fazem a vida tolerável. O quente e o frio só existem na proporção do valor que lhes damos, na experiência que de ambos retiramos.