Aquilo que me inspira, levo para casa.




30.6.14

:: ::

Quando puder voar, diz. 
Avisa para que possa, por fim, dar uso a estas asas engelhadas. 
Até lá, quando eu for capaz de mudar, deixarei que eu própria saiba.

24.6.14

:: a graça das coisas ::

Não gosto especialmente de ler as coisas que escrevo. Tal como não aprecio tão intensamente a comida que faço. Assim como não me dá especial gozo conhecer os bastidores de um filme. É como se o facto de estar demasiadamente dentro das histórias lhes retirasse a capacidade de me seduzir. Como se conhecer os detalhes da concepção de algo me amputasse na capacidade de criar um imaginário interessante à volta dessa coisa. Quase como conhecer os truques de magia. É muito mais estimulante o acto de matutar nas ilusões criadas pelos mágicos através da sua destreza e capacidade de fazer parecer o que não é, do que descobrir a origem dos seus truques afastando o encantamento gerado pela sua actuação. Quando leio algo, eu junto, às palavras de quem escreveu, a minha própria interpretação, o meu próprio retrato da história. Se eu souber os factos por detrás das escolhas, dos arranjos, os ingredientes de toda a receita bem como a sua forma de confecção, a graça esvai-se e fica somente um apreciar desprovido de conteúdo. Isto acontece-me amiúde e por isso, apesar da minha natural curiosidade gosto de permanecer alheada da visão das filmagens de um filme assim como, apesar de adorar escrever, não retiro o mesmo enlevo de ler algo escrito por mim. Tenho de me afastar do cerne das histórias para que as possa verdadeiramente apreciar. 

23.6.14

:: o melhor da vida pode ser simples #1 ::

Cada vez o gosto maior por voltar aos básicos na oferta de uma cidade. O contraponto entre a vida mundana e a vida simples é assegurado por estes pequenos momentos em contacto com os elementos que dão a cor verde à paisagem. Minutos de pausa, cercados de sons que pertencem à atmosfera, são aqueles que permitem preencher os espaços já gastos da nossa paciência originados por semanas em que se acumulam tarefas, preocupações e outros afazeres que se multiplicam nas agendas. É bom perceber que este meu gosto é partilhado por tantos outros que elegem os jardins da cidade como os pontos de encontro com os amigos, com a família, com um livro, com o(a) namorado(a), com a natureza ou com o que de melhor pretenderem encontrar na liberdade dada pelo oxigénio que se desmancha em gotas de bem-estar. 




20.6.14

:: associação livre ::



Quando o sol nasce, eu posiciono-me com ele nas alturas. 
O sol ao alto e eu com passos seguros ao encontro do dia. 
Há dias em que as horas correm mas nem sempre trazem com elas a vitória de um dia perfeito. 
A perfeição existe quando as horas transportam acontecimentos que são irrepetíveis. 
A impossibilidade de duplicar um momento, torna-o livre. 
A liberdade de um momento esgota-se quando este se vê amarrado às memórias. 
A capacidade de recordar torna-nos fortes e vulneráveis na mesma medida porém, aguça a capacidade inata de sermos humanos. 
A humanização é um processo interior que se mede pela estabilidade do lado de fora. 
Ficam de fora todas as coisas que não têm lugar. 
Há sempre lugar para mais um quando a sua presença influenciar o que vier a seguir 
No seguimento de qualquer facto há sempre um sol que nasce. 
Por cada sol que nasce, eu cresço mais um bocadinho.

18.6.14

:: eu tinha de falar nisto ::

Depois das festas, restam os seus despojos. Mas há dores que sobejam ainda os efeitos das festas se proclamam. Ao longe, ainda se escutam os sons vindos da multidão que se empurra, ainda se sente o cheiro das sardinhas que se assam para que seja cumprida a tradição, ainda se sente o reboliço de uma cidade entusiasmada nas comemorações a um santo que é padroeiro de uma cidade bonita mas incapaz de amparar todos os que nela vivem. De perto, há dois corpos estáticos, cegos, surdos e indiferentes aos regozijos da festa, virados para si mesmos porque fora deles só há o mundo que os abandonou. Apenas de dentro conseguem retirar o muito pouco que a vida lhes dá. Do lado de fora, as festas há muito que pertencem a outros. A todos aqueles para quem o mundo, ainda que às avessas, avança na sua trajectória normal.  A estes dois homens resta-lhes os corpos e os olhares dos outros, quando alguém neles repara. Como o meu olhar. Aquele que me fez trazê-los na memória. Não lhes falei, não lhes toquei, não os fiz perceber que os vi (importar-se-iam?) mas não os esqueci. Trago-os relembrados no conjunto dos meus despojos da festa, elevando-os à condição de paradigma das desigualdades a que maldosamente nos habituamos, a puxarem-me de volta para a realidade que, em muito, trespassa as coisas boas e bonitas, binómio em que habitualmente me detenho fazendo-me esquecer que o mundo pode ser hediondo e de equilíbrio frágil. O que eu vi foram dois seres drasticamente contrastantes do ambiente que se vivia, o produto de uma cidade clivada para acolher duas realidades paralelas, não deixando que a melhor delas se compadeça da outra. Tocou-me imensamente aquelas pessoas das quais desconheço quase tudo excepto o que os factos me permitiram ver. O corpo é mesmo o último reduto da vida, mesmo depois da mente nos abandonar, de deixarmos de ser quem somos, de morrermos enquanto personalidade, há um corpo que se tem de gerir e mesmo esse, com toda a sua materialidade, consegue ser invisível aos outros.   

17.6.14

Frases que ficam #3

"Estou preenchida de memórias por nascer." 

"Enquanto escrevo, pensar constantemente que nada acontece na minha vida e que é pelo nada que devo estar grata."


Susana Moreira Marques

(frases retiradas do n.º 3 da revista Granta)

14.6.14

Santos populares


São dias de festa e de nostalgia. Festa porque os santos populares sabem ser anfitriões como ninguém e põem na rua milhares de pessoas à procura das sardinhas assadas (que não estavam más de todo) e dos manjericos coloridos e com rimas que seguem os tempos actuais (já não se resumem aos amores os versos de santo António, há quadras cujo tema é a troika, revelando que os santos podem não fazer milagres mas não se demitem de se saberem actualizados). Nostalgia porque os santos populares são tradições de infância, prelúdios de férias e de tempo quente, mistura de fogueiras e de balões que, entranhados na memória, fazem um querer manter esta tradição. Mantenho a minha preferência por alfama, porque também este bairro se encontra ligado a um passado que me pertence e que por isso me faz não querer percorrer outros caminhos que não o entrançado dos seus becos, escadas e ruelas, quase irreconhecíveis nestes dias porque ganham a cara dos muitos que por lá passam e ficam na folia. 




9.6.14

Intensamente



Às vezes tenho momentos de verdadeira euforia interior. Em que tudo me parece possível, em que as palavras se atropelam para que as coloque no papel, em que o superlativo me ocupa e me enche de uma energia de força inesgotável. Num ímpeto, esta significância de pensamento esmorece, reduzindo-me a alguém que almeja tudo sem que lhe seja possível alcançar o todo que anseia. Não sei viver sem ser intensamente. Seja para mais, seja para menos, a intensidade molda-me e quase me sufoca não fossem os mecanismos de reposição que a mente me oferece. 

1.6.14

:: Arcade Fire rock in rio ::

Depois de um dia morno num Rock in Rio atolado de pessoas que ansiosamente aguardavam o som dos Linkin Park, enquanto eu pertencia a uma minoria que apenas lhe interessava o rock dos Queen of the Stone Age, o qual foi infelizmente abafado pelo vento pouco colaborativo e por um lusco-fusco pouco apelativo para os concertos que se querem interessantes, eis que ontem os Arcade Fire me proporcionam um excelente momento musical.  Fiquei incondicionalmente rendida a esta banda em palco depois de já o estar com as músicas produzidas em estúdio, perfeitas no seu encadeamento e nos pormenores de composição. Esta era uma das grandes bandas que me faltava no meu repertório de concertos, uma falta quase imperdoável perante a admiração que tenho por estes canadianos tão versáteis quanto originais. Agora, excepcionando um caso ou outro de pouca importância, posso dizer que tenho a lista, praticamente, completa. E assim o estará sempre que a completude pode ser uma desmancha-prazeres em algumas situações. 


Quem gosta de concertos, de sentir ao vivo a vibração da música e os ritmos freneticamente empolgantes dos demais espectadores, sabe o quanto um bom concerto consegue ser emotivo ao ponto de nos elevar na nossa capacidade de estar. Aquele momento em que um recinto inteiro de milhares de pessoas ecoa uma música acompanhada de todo uma linguagem não verbal demonstrando a cumplicidade e a euforia por detrás de uma sequencia de notas, é simplesmente arrebatador. Por isso sai de lá rendida, emocionada, eufórica e capaz de passar os próximos dias só a ter Arcade Fire como banda sonora.