Aquilo que me inspira, levo para casa.




24.5.15

Eu, a senhora e o saco de morangos

Era uma senhora que levava um saco de morangos na mão. Reparei nela porque os passos eram lentos como se a estrada que tivesse de percorrer não fosse longa e o sol a cair a pique não fosse capaz de ferir a pele e a visão. Reparei nela porque os morangos combinavam com a sua camisa, como se a escolha da fruta pudesse ser ditada pelas cores que trazemos connosco, numa espécie de harmonia forçada do quotidiano.

Era uma senhora com um saco transparente contendo cerca de meio quilo de morangos, assim, espalhados à vista de quem quisesse vê-los, na sua robustez, frescura e aparente suculência exibindo-se na forma de quem foi colhido há pouco tempo. 

E eu olhei para a senhora até ela desaparecer da minha vista seguindo os seus passos lentos, enquanto os meus olhos demorados decidiam entre o escarlate da blusa e os morangos orgulhosos do vermelho que os desmascaravam na sua beleza, mesmo numa estrada feia e sem qualquer interesse.

E este acontecimento ocorreu numa manhã de um dia que ficou cheio, mas eu não me esqueci da senhora dos morangos, aquela que percorreu metros debaixo de um sol escaldante, suportando os carros que quase tiranizavam a berma demasiado estreita da estrada para ir comprar um fruto da cor da sua camisola para, provavelmente, poder alimentar quem, como eu, faz dos morangos o seu fruto de eleição. 

Porém, e é esta a diferença, aquilo que me separa da simplicidade e da vontade da senhora dos passos lentos, é que a pressa que comigo todos os dias trago faria de uma estrada quente, longa e ruidosa o motivo suficiente para não ir ao encontro do fruto vermelho.

E assim, adio a aproximação de muito daquilo que gosto porque as estradas longas me incitam à indolência e porque nem sempre consigo vestir as cores que combinam com que aquilo que pretendo.

Grata à senhora do saco dos morangos por me incutir esta mensagem mesmo sem ter a intenção de o fazer, mesmo só tendo querido levar para casa, debaixo de sol, um fruto coberto por um saco transparente incapaz de ocultar a beleza que me apelou aos sentidos.

20.5.15

O meu lugar no mundo


Às vezes penso, impulsivamente, que o mundo é um lugar hediondo, que a injustiça bebe a beleza ao mar, que a violência esconde a imponência ao sol e que a intolerância faz desaparecer a melodia à música.

Depois, apercebo-me que a minha visão é selectiva e que se olhar para o lado vou descobrir os heróis desconhecidos que abundam no mundo, aqueles que no anonimato dão de si aos outros, refazem vidas, dão conteúdo a histórias que acharíamos banais.

Por fim, tomo consciência do acto social recorrente de semear a raiva que cresce entre as gentes, população com revolta no seu interior que descrê no futuro e que vê no pessimismo o único lugar possível para andar.

O que somos não é mais do que o produto do que a sociedade faz de nós mas o que na realidade conhecemos do mundo é tão limitado que a parte que nos influencia é uma milésima daquilo que o mundo realmente é. Por isso é que abrir os olhos e descobrir, sem erros de julgamento, que o mundo é um lugar que pode ser pintado em tons de rosa, é o primeiro passo para manter a sanidade mental.

É que se tendemos a achar que o mundo é um lugar sórdido, vamos sempre seleccionar as evidências que confirmam este nosso pensar. Mas se dermos o benefício da dúvida, e ganharmos a noção de que o que vemos pode não ser uma amostra representativa daquilo que sucede, então podemos tender a achar que o mundo é um lugar de esperança e que no meio de actos atrozes há sempre aqueles que fazem da generosidade uma forma de vida. Quando chegarmos a este patamar então a selecção das evidências passará a ter como requisito aquelas que confirmam que o mundo é bom. Também não quero que sejamos uns optimistas lunáticos que escondem a cabeça na areia e só a tirem quando sentem que voltou a paz. Mas gostaria que ganhássemos imparcialidade para avaliar com clareza que nem tudo é mau e que nem sempre uma parte representa o todo e que há muitas pessoas dignas de serem admiradas e colocadas em manchetes de jornais como provas puras de que afinal a maldade não tem uma presença genética assim tão recorrente.

É por isso que faço por não esquecer as pessoas que conheço e que me dão provas da bondade que atravessa a humanidade, preservando-a da erosão deste pessimismo contagiante.

Ah claro, posso ser apelidada de romântica, ingénua, demagoga, lunática, alienada, enviesada, posso deter comigo todos os adjectivos que equivalem a credulidade ou os jargões científicos que me rotulem como louca, mas acharei sempre que reúno a clarividência para não resumir a minha visão do mundo aquela que me querem dar e saberei sempre reconhecer o valor daqueles que contribuem para um mundo melhor ainda que o façam com pouca assistência e em moléculas pouco visíveis e cujo efeito não é captado pelos manipuladores de opinião.

19.5.15

Fotografar o não óbvio ou como sobreviver ao trânsito

Fotografar para resistir à agonia de uma fila demorada que preenchia vários quilómetros de estrada. Deixar que o menos óbvio forme um todo coerente que passa a fazer sentido. Esbater os tons para que espelhem as cores mortiças da impaciência. Verificar que cada paragem pode ser uma troca justa quando se quer fazer um repositório dos espaços que circundam a marcha lenta. Verificar que é mais fácil esperar assim, que a cada compasso de espera há uma imagem que se altera e que o momento já não retorna, O aqui e agora em cada imagem que guardo. Janela aberta, máquina em punho e fotografias que se acumulam na memória neuronal enquanto roubam GB.

A minha estratégia de sobrevivência ao trânsito fazendo-me valer da capacidade de apreciar o não óbvio. Em nome do equilíbrio emocional, procurar aplicar os ensinamentos que eu própria me ofereço. 

A minha mostra de fotografias que, para mim, ganharam a graça de conseguirem evitar o mais expressivo aborrecimento. 














15.5.15

Um pouco de nostalgia.

De olhos postos em outras paragens, tenho vindo pouco aqui. O tempo transformou-se em ar e por isso o que tenho uso-o para sobreviver. Sorvo-o, inspirando e expirando ao ritmo dos minutos que se evaporam, Tenho escrito bastante embora em outras frentes mas tenho saudades desta minha casa e de partilhar a apreciação que acumulo dos pequenos momentos que me compõem. Tenho tido várias emoções que me transformaram num pêndulo que tento equilibrar, mas as aprendizagens que tenho acumulado valem por tudo, pelo uso que lhes poderei dar, pelos recursos que as mesmas me poderão oferecer. Mantenho a coerência que me sustenta e no meu mundo contínua a manter-se a luz clara e límpida que faço por transpor nas fotos.