Aquilo que me inspira, levo para casa.




30.6.15

Essencialismo



São elementos essenciais na minha vida:


Acordar com a luz do sol que não necessita de portas para me encher o quarto e me chamar para mais um recomeço;

Ter o mar por perto, mesmo que o não olhe, basta sabe-lo vizinho que me sossega a ausência;

Ler, sempre, todos os dias, recolher palavras para invariavelmente as usar. As palavras que leio e das quais abuso são a única forma de assédio que tolero;

Escrever, mesmo que nem sempre inspirada, mesmo que nem sempre a saber usar as palavras que tanto leio, mesmo a parecer faltar sentido ao enredo que procuro dar, a escrita acompanha-me fielmente, ainda que possa não passar de um processo mental;

O beijo de quem me ama antes de desligar os sentidos para o sono que nunca dorme;

A voz da minha mãe em sons serenos, o timbre em melodia quando me chama;

A casa arrumada, na sua forma literal, ainda que na metafórica consiga permitir algum desarrumo desde que interessante;

Uma conversa que cativa, com tolerância, respeito, partilha, a saber fazer crescer o comprimento da minha própria sustentabilidade;

A cumplicidade, a chave para um amor que desconhece o efémero, a solidez de uma rocha amaciada por uma toalha de seda;

As pessoas, e a forma como tantas vezes conseguem contribuir para trazer à vista desarmada a poesia que se esconde em minúsculos subterfúgios; 

Os animais, e a maneira como me deixo enternecer em desmesura com os olhares que estes entornam perante o afago de um humano, a bondade da humanidade é mensurável pela respeito que nutre pelos outros seres que coabitam neste mundo que deveria ser democraticamente de todos;

As viagens, sentir que inexoravelmente furto ao mundo pequenas partes do seu todo para caberem nas minhas memórias;

O mundano, as lojas, os restaurantes, a arte urbana, as pontes, os vendedores de rua, os hotéis, os transportes, a traça da arquitectura, os museus, as galerias, os mercados, os jardins, as esplanadas, as praças, os concertos, a comida, as bebidas, os blocos de notas e tudo o que traz hedonismo em doses que se sentem;

A natureza em contraposição com o mundano, o verde e o azul, o ar límpido e o som incólume, a paisagem que vicia, a serenidade, o deslumbre, o assombro;

A busca assídua pelo equilíbrio, a mais rara e difícil das virtudes. 

25.6.15

Conversas de insónia



Acho que nada nos torna tão vulneráveis como o acto de dormir. A necessidade de dormir mostra que apesar de todo o nosso poder enquanto animais dotados de inteligência sucumbe perante a necessidade de parar para repor as necessidades de um corpo falível. Tal qual como qualquer máquina e o seu computador central. Ter de dormir fragiliza-nos de certa forma, principalmente quando não o fazemos. Não dormir torna-nos em verdadeiros autómatos, longe de pensamentos construtivos, de emoções afinadas, de uma vida sustentável. E isto é assustador quando as noites de insónia fazem parte de um estado que te contraria enquanto ser que, apesar de humano, tem a este respeito, tratamento de máquina, apesar de fazerem também parte da tua forma de ser enquanto ser humano de personalidade própria. Mas que cérebros são estes que se desocupam de dormir sabendo que a insónia os molestará ao mostrar-lhes que a sua força sucumbe perante a ausência de onirismo. Sei que o cérebro fala por uma série de códigos nem sempre fáceis de perceber e que se a estes se somam pouca aptidão para reagir a conversas, temos um diálogo repleto de mudez, e isso torna ainda mais difícil fazer da insónia a hipersónia que somente apetece.


Dormir pode ser maravilhoso e martirizante, um bálsamo ou uma angústia, mas o corpo precisa que apaguemos os sentidos independentemente dos sentimentos que detemos perante esta função orgânica (só este nome parece que nos desumaniza).  Dormir deveria ser apenas um acto hedónico, sem imposição corporal, sem termos de estar deitados de olhos fechados enquanto o sol escondido nos afasta da luz, corpos abandonados em cima de colchões (na melhor das hipóteses) à espera que as ligações cerebrais se recomponham para que, horas depois, tudo funcione normalmente.  Parece estranho, pouco glamoroso, demasiado contundente. 

19.6.15

É possível guardar palavras que nunca se ouviu




Às vezes basta uma imagem. Às vezes basta um som, um gesto. Mas são as palavras aquilo que mais me arrepia e enternece. Sei que o meu coração é feito de palavras que eu nunca ouvi ou li mas que quando sentem o seu eco emitem um ressoar que me faz sentir feliz. Somente isto explica a exaltação interior que abraço quando escuto ou leio palavras que harmoniosamente se tocam, que em combinações perfeitas fazem saltar poesia. A vida é uma poesia quando deixamos que as palavras que nos preenchem encontrem os seus pares. As palavras gostam-se, projectam amor na forma como se unem. Mas elas têm de se encontrar. Há palavras que não podem estar afastadas, é imperioso facilitar-lhes a sua aproximação e experimentar o resultado da beleza desse encontro. É tão bom ler uma frase qiue é simples na sua execução mas que encerra um conceito tão transcendentalmente belo. A beleza da poesia está na sua simplicidade, nos elementos cheios de significado que a perfazem sem que tal signifique um ser complexo. Adoro palavras e faço cada vez mais para que as palavras que em mim guardo, tão encaixadas no meu coração, encontram aquelas que à solta são projécteis mas que se apanhadas, fazem ninhos.

15.6.15

O Porto

O Porto está vaidoso. Repleto de turistas que enchem, com vozes estranhas, as ruas habituadas à pronuncia do norte. São lattes e capuccinos os pedidos dos cafés e não os habituais cimbalinos. À noite é exigida reserva nos restaurantes da moda. No seu interior, ouvem-se conversas cujo significado nos foge porque o português quase não existe nas mesas dos restaurantes. Abundam as tascas, as tabernas, as tapas e os vinhos. Os pastéis de nata governam, mesmo os de Lisboa. O Porto encheu-se de gente de fora desta fronteira e vê-se que é gostado por esses que avidamente o fotografam. O Porto decadente, o Porto engalanado, o Porto pobre, o Porto ostensivo, o Porto litoral, o Porto interior, o Porto tradicional, o Porto trendy. Em todos estes Portos há gente apaixonada pelos seus lugares e pelas suas habitações tortas de arquitectura genuína onde casas em ruínas estão paredes meias com outras magnificamente remodeladas. Há Porto para todos os gostos e mesmo com chuva há uma beleza assanhada que nunca se esconde. 

Biba o Porto. Mas assim, separado do artigo. Sem a junção aparente de uma palavra única. Oporto não nos pertence e nós queremos o Porto nosso ainda que cheio de outros. Também eu, sou uma turista no Porto. Ser portuguesa não me dá a legitimidade para lhe pertencer o que me agrada pois gosto de apreciá-lo sempre com os olhos de quem não lhe é nada, para além de uma eterna admiradora das suas fachadas, ruas, casas, do seu charme aparentemente escondido mas com o rabo de fora pronto a ser denunciado como a um gato. O Porto move-se numa dinâmica invejável, cheio de empreendedorismo, de artistas, de pessoas que dele cuidam para que se embeleze e não perca a corrida das mais bonitas cidades europeias. Esperemos que nunca perca a sua graça e a sua traça, que saiba manter-se sem apodrecer nas malhas de um turismo que não o dignifique.

Quero o Porto vivo, a encher as minhas memórias de fotografias, a fazer-me querer (sempre) lá voltar.














Associação de palavras com o Douro ao fundo

Vinhas, socalcos, verde, rio, barcos, pontes, amarelo, comboio, vinho, estradas, pronúncia, orgulho, ruralidade, genuíno, calma, miradouros, douro, paisagens, gentes, Portugal

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