Levanto-me antes do dia. Restos de lua ainda escritos no céu. Rasgos de um sol ainda estremunhado. Sinto que o meu gato me observa enquanto em passos lentos me movo pela casa com silêncio à mistura. Gosto de ouvir o som de pés descalços. Gosto do tremor do chão sob passos de pele.
Ao som inexistente acrescento música, a sala torna-se mais pequena, num aconchego que inebria. Tenho a minha capacidade de apreciar elevada ao expoente máximo. Sinto-me próxima das nuvens mesmo tendo os pés bem assentes no tapete que acolhe a sequência de asanas. Deixo que o corpo se mexa de cor, penso pouco e deixo fluir. O aqui e agora. O momento. O ainda nada a que corresponde o amanhecer. Posso ser o que quiser enquanto me alongo. Apenas sei onde estou. Sento-me.
O gato prescinde de me olhar para me oferecer o pelo que atravessa as minhas mãos. Há suavidade na ponta dos dedos exacerbada pelos olhos que apenas sentem. Aos afagos do gato segue-se o som do seu afastamento. A sua atenção vira-se para outro ponto e volto a ficar só eu, a música, e os pássaros que cantam do lado de fora da janela. O momento não dura sempre mas sei que o posso sentir pela eternidade que lhe quiser dar. Este relato é uma forma de perpetuar o adocicar de um dia que começa.
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