Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida
Sophia de Mello Breyner Andresen
Viver num país onde o mar sobeja
e numa cidade costeira faz de mim uma pessoa grata pela região do mundo onde
nasceu. Preciso que os meus olhos saibam onde podem olhar o mar para me sentir norteada.
Ainda que o não veja, sabê-lo lá, e antevê-lo pela geografia que conheço de cor,
é um sossego que quero por perto. Gosto de escutá-lo quando ele somente
murmura enquanto abandona a sua espuma em delicadezas quase imperceptíveis, mas também me
arrebato quando ele muda de voz e, de timbre grave, me oferece vagas de salgada
hegemonia. O mar tem este duplo estar que o humaniza. Consegue ser manso e
ondulante, galanteador e irresistível para momentos depois ser autoritário
e opressivo, bravo e intimidante.
Na verdade consigo passar horas
a vê-lo brincar e a falar ao mundo na linguagem que só os outros mares
conhecem. Finjo entendê-lo mas sei que jamais alcançarei o significado das
variantes do seu som. A melodia que emana apazigua-me os ouvidos mas chega em agnosia ao meu cérebro a não ser que lhe dê um significado. É nesse jogo que me
aprimoro sempre que me sento em frente ao mar. Atribuir sinónimos às suas
cadências e aos sons que a corrente da água emite, imaginando frases e conversas
completas cujo sentido é meu apesar de pode distar da intenção real das marés. Cada um interpreta o mar à sua maneira. É nesta subjectividade de o olhar e de o ouvir que reside todo o encanto desta água amantizada de sal.
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