Todos os dias folheio as páginas
de um livro. Não me restam dúvidas de que as letras são os maiores catalisadores
da massa cinzenta que me ocupa o cérebro. As letras impressas e todas aquelas que, mesmo não as vendo, imagino através das imagens que absorvo nas minhas fontes diárias de inspiração
visual. Escreve-se bem em Portugal. No resto do mundo também, claro, mas
interessa-me o país que me concebeu a mim e a todos aqueles pelos quais me
envaideço cada vez que leio o que projectam nas suas narrativas. Pergunto-me como
é que a mesma realidade consegue ser descrita de formas tão ímpares em que as
palavras se distribuem indo ao encontro do significado perfeito. Acontece-me,
por vezes, ficar presa a uma frase. Os meus olhos continuam a ler, mas a mente
ficou parada na frase que me inspirou. Palavras simples que constroem ideias
complexas e interessantes. Os escritores são arquitectos de frases. E basta-me
ler uma para perceber se estou perante um arquitecto ou alguém que arruma
frases sem saber os cálculos para a verdadeira construção.
Todos os dias leio as páginas de
um livro. São milhares os caracteres que me atordoam. Admiro em demasia quem
transcreve para letras aquilo que se sente no interior. Os escritores são
tradutores de acções e de sentimentos. Traduzem para quem quer ler, aquilo que
de outra forma não se conheceria e basta-me uma frase para perceber se estou
perante um tradutor ou alguém que agarrado a banalidades descreve algo que pertence
à linguagem comum.
Podia dizer tanto do bem que se
escreve em Portugal. Dos poetas, artistas, filósofos, loucos, e de todas as
múltiplas personalidades que cada escritor encarna para que delas possa retirar
a essência para o que escreve. Não se escreve com esforço mas com uma agilidade
inata, fazendo uso devido das próprias potencialidades. E eu gosto cada vez
mais de absorver os conteúdos e as formas que compõem uma obra, de observar,
com as ferramentas possíveis a um leitor, a capacidade de criar algo que
extravasa aquilo que se conhece. Quanto mais se lê mais se percebe que um livro
é um todo, uma entidade holística que encerra em si um conjunto de atributos
que vão muito para além da mera história que contam. À medida que as minhas
estantes se enchem, mais rica me sinto por conseguir consumir um livro sem
me cingir unicamente ao que deduz pela sua sinopse, acompanhando o bailado de
todas as suas partes sem perder nenhum acto, porque os escritores, para além de
tudo o que já mencionei, também são coreógrafos.
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