Estou no meio das escadas, dos 21
degraus contados infinitas vezes. Velhas, madeira gasta, apertadas, de corrimão
de ferro a oferecer um tacto áspero, a aparência é igual ao que sempre foi ou
ao que a minha memória me permite assegurar que terá sido. As caixas do correio, num metal cinzento com
rebordo a vermelho, surgem em baixo do lado esquerdo de quem entra. A ocuparem
a mesma área de outrora e com a mesma intensidade de desgaste. Apenas a luz das
escadas está acesa. Um pormenor que distingue de tudo o que a minha lembrança
me jura ter sido.
Eu sei o que está no interior da casa do primeiro andar esquerdo
mas nunca subo as últimas escadas. Vejo, prevejo, mas entre o olhar para cima,
para a antecâmera da tua porta, e o olhar para baixo, para a entrada exígua, os
pés estão imóveis numa quietude imutável. E assim fico, de luz amarela sobre os ombros,
agarrada ao corrimão que se sustenta numa parede caiada engelhada pelo tempo.
Nunca abro a porta, nunca te chego a ver, nunca concluo se a casa está como a
vivi. As escadas são o porto de abrigo, o que me protege de tudo aquilo que recordo
e que antecipo, o espaço que me deixa num suspenso. E é nessa ansiedade, nessa
suspensão de movimentos, de pensamentos e de anseios que acordo. E, nessa
altura, volto a apagar a luz da escada.
Sem comentários:
Enviar um comentário