Aquilo que me inspira, levo para casa.




27.10.13

Alentejo

Continuo a fascinar-me com Portugal e com alguns dos seus recantos. Este fabuloso mix, que tão bem sabemos dar aos nossos produtos e locais, de inovação com genuinidade, é algo que deveríamos sempre saber preservar e replicar. Volto ao Alentejo sempre que me apetece um regresso aos ambientes puros, ainda a conseguirem estar alheados dos vícios dos grandes espaços urbanos. E sempre que volto sinto, em muitos locais, que o Alentejo também cresce, também se emancipa, também se inova mas que, felizmente, consegue manter muita da sua traça, com produtos de base tradicional, pessoas carregadas de sotaque, comida que mantém os sabores da região no nosso paladar.

As fotografias abaixo são do Ecorkhotel Suites & Spa, localizado em Évora e recentemente inaugurado. O hotel faz um bom aproveitamento da cortiça revestindo com este material as paredes do seu edifício principal. É composto por várias suites independentes, tem um bom serviço e é excelente para uns dias de descanso e de contacto próximo com a natureza. Um conceito inovador no meio do Alentejo rural e onde se avistam somente campos de pasto. Um equilíbrio perfeito e do qual sou uma veemente apreciadora. 
















22.10.13

Catarse

Amei-te muito, às vezes sem saber e sempre sem te ter dito. Sempre foste mudo de palavras e emoções. Eu, desobedeci-te nas emoções, mas fui fiel seguidora na frugalidade das palavras. Sei amar muito mas digo-o pouco. Não me custa amar mas custa-me entregar o amor às palavras. Como se as engolisse e as encerrasse definitivamente em mim, sem qualquer escapatória. Herdei tal fardo de ti, isso e tantas outras coisas que parecem alheias aos genes mas que afinal são transportadas por estes até à exaustão. É incrível como me contagiaste com as tuas mãos quando tão poucas vezes mas deste, como me amiguei da tua curiosidade quando tão poucas histórias me contaste. 
Amei-te tanto, pai, sem tantas vezes me aperceber que o amor pode ter leitura difícil, que o amor tem personalidade múltipla, desdobrável em tantas séries quanto o tempo de uma vida. Ensinaste-me muito enquanto eu pensava que era pouco. Tantos contrários que apenas tardiamente me apercebi. Aprendi que a vida nos ocupa tanto tempo que nos impede que tenhamos dela consciência plena, obstando-nos de ver que não interessa a meta, interessa o caminho. Hoje sei o que me ensinaste a ser e a gostar, sei em pormenor aquilo a que te devo agradecer. 
Ensinaste-me, acima de tudo, e bem de mais, o que significa ter saudades. Mais uma vez o fizeste sem palavras. Essas, as poucas que sempre tiveste, foram-te arrancadas à força, submissas perante a crueldade de um fado triste. Todos temos um fim mas o teu foi cedo em demasia. Morreste antes do tempo. Do teu tempo e do tempo que eu tinha para ti. Por isso, hoje, tenho-o de sobra para pensar-te e faço-o numa rotina conservadora, assídua e pontual, sem que a ela tenha de dedicar qualquer esforço, tão naturalmente como qualquer acto básico da vida. Pensando em ti, tento trocar as voltas à tua mortalidade. Não te vejo, mas a imaginação serve-me para atenuar a cegueira. E abençoadas sejam as metáforas por tão bem enfraquecerem distâncias e por criarem a ilusão de que mesmo imaterializado ainda existes. 
Sinto saudades de ti e lamento por ti, pelo que não fizeste, pelo que não soubeste, pelo que não viveste e, acima de tudo, pelo que de mim não ouviste.

Dedicado ao meu pai e escrito para o sítio Para Onde vão os Guarda Chuvas

8.10.13

Valter Hugo Mãe

Não sei há quantos anos foi. Mas tenho a certeza que foi na Feira do Livro onde, sem excepção, compro sempre algo de um escritor português contemporâneo. A edição recente da Máquina de Fazer Espanhóis fez com que o nome de valter hugo mãe me estivesse na memória apesar desta, por essa altura, estar ainda em branco quanto a qualquer produto da obra desse autor. Na feira aconselharam-me a começar pelo O Remorso de Baltazar Serapião e eu, obedientemente, o fiz. Na minha lista de espera de leituras a vez do Baltazar Serapião chegou com uma viagem que fiz a Porto Santo, local propício para uma leitura dedicada. No avião de regresso já estava, obviamente, lido de página a página. Na altura escrevi no meu facebook o seguinte comentário reactivo:

E porque uns dias de férias não o são se não se saciar a leitura, não posso deixar de falar do livro que acabei de ler. Primeiro estranha-se a linguagem, demasiado arcaica e livre de regras, depois apaixonamo-nos por ela e o livro torna-se capaz de ser lido de uma assentada. No fim são demasiadas as emoções que nos assaltam, tantas quanto as possíveis sobre um tema que, de tão antigo, nunca perde a actualidade. A violência sobre as mulheres, o ciúme patológico, o menosprezo pelos valores maiores. valter hugo mãe conta numa metáfora como a idade media ainda habita no pensamento humano nos dias de hoje. Tão brutal quanto viciante, este livro deixou a porta aberta ao interesse em ler outros livros deste autor! RECOMENDADO!

E a vinculação começou aí. Curiosidade instalada, outros tantos livros se seguiram, os antigos (Novo Reino, a Máquina de Fazer Espanhóis, a Mãe) e os entretanto lançados (Filho de Mil Homens). Obviamente que mal avistei, num escaparate, o último dos seus lançamentos, o novíssimo Desumanização, sucumbi no imediato ao impulso da sua compra e foi na sua posse que no passado Domingo assisti à sua cerimónia de apresentação no Teatro Maria Matos, em Lisboa. Com uma sala cheia, de gente interessada, com banda sonora de Rodrigo Leão, foi um prazer ouvir o Valter Hugo Mãe falar de si, naquele seu tom genuíno e naif mas sobejamente inteligente para falar de tudo sem opressões ou filtros, numa ode à espontaneidade, e a saber contornar a sua assumida timidez ora com humor ora tocando assuntos sérios e caros na actualidade nacional, sem esquecer a profundidade poética da sua obra, a qualidade intrínseca de todas as palavras que são impressas. Saí de lá com um autógrafo, visivelmente feliz, com tanta vontade de combinar um café para dois (ou três, ou quatro…) dedos de conversa. Será pouco provável mas para já vou conhecê-lo mais um pouco quando ler Desumanização