Aquilo que me inspira, levo para casa.




29.9.14

Setúbal e o dia do mar

Pelas comemorações do Dia do Mar, a minha cidade encheu-se ainda com mais barcos do que os que habitualmente já lhe ocupam as águas do seu porto. A diferença foi que a zona das docas se encheu de gente, pessoas que quiseram conhecer o interior do Sagres, Creola e Vera cruz. E é muito bom quando se vêem os habitantes envolvidos com a vida da cidade. Quando as cores dos barcos se misturam com as roupas de quem se passeia, fotografa, experimenta e conversa. A minha cidade é bonita porque é de mar e por isso coabita com um conjunto de aromas, de pessoas, de técnicas e de instrumentos que só as cidades piscatórias conhecem. A minha cidade é bonita porque é genuína, pouco dada a vaidades, apesar do tanto que tem para exibir com orgulho e sem ostentações despropositadas. A minha cidade é bonita ainda que não fosse a minha, porque é de mar e é o mar que é a casa do mundo inteiro.














26.9.14

Já?

Só sei é que para a semana é Outubro e parece que eu ainda não vivi o Maio, o Junho, o Julho e o Agosto. Vou tentar aproveitar o que resta de Setembro para não dizer que o Verão não passou de uma convenção, mas a realidade é que este ano, mais do que em qualquer outro, embora todos os anos o repita, o tempo pareceu querer passar-nos a perna no sentido de não deixar que o apanhemos e que o interpelemos devidamente. Que correria foi esta? Com o Verão em desmaio os dias pareceram querer fugir de uma epidemia de céus plúmbeos. Não esperaram por mim, nem pelas praias com águas quentes, nem pelas noites cálidas com braços aquecidos somente por alças finas. Que tempo é este que não se coaduna com a paciência, que foge por atalhos e salta barreiras para chegar mais depressa ao seu próprio fim.  Este Verão foi estranho, estes meses foram esquisitos, apesar do rol de coisas boas que fiz, das novas experiências que pude realizar, das primeiras vezes que não serão com certeza as últimas, tudo me pareceu decorrer demasiado depressa, uma canseira de músculos inertes, um turbilhão de segundos que agastaram relógios sem que estes andassem mais depressa. Não digo para o tempo voltar para trás, o futuro traz sempre coisas boas, ainda que as más também por vezes se lhes apeguem, mas peço ao tempo que vá com mais calma, assim em andamento de passeio, como se andasse a ver montras ou a tirar fotografias, ou a saborear um bom café (ou um gin, vá, para ir ao encontro das tendências!). Vamos com calma, tempo, que viver em pleno dá trabalho e toda a ajuda é bem-vinda. 

:: instagramo logo existo #2 ::

Uma visita rápida a Bruxelas.

Detalhes de espaços onde me sinto em casa.

Pelas ruas de Lisboa.

25.9.14

Do Alzheimer e de outras demências

Nós somos o que as memórias dizem de nós. Mas por vezes as memórias emudecem e deixam em vácuo o espaço que antes cabia às palavras. Sendo a memória o mais potente reservatório de nós mesmos - posiciona-nos e orienta-nos, num processo de atribuição de significados -, o seu declínio torna-nos cada vez mais elementares na forma de ser e de actuar, reservando-nos um estado primitivo e um eu que mais não faz que somente sobreviver. Esta condição fatalista resume-se a morrer antes de si mesmo. O cérebro, essa complexidade de neurónios e de neurotransmissores que comandam o corpo, o comportamento e a mente, é o espaço físico que permite que as memórias se acumulem e se relacionem. Quando no interior deste invólucro tão especial, a massa que o constitui definha, tudo aquilo que somos vai acompanhando esse desaparecimento, restando-nos um corpo que vai continuando a reagir até ele próprio sucumbir perante a falta e a qualidade das ordens cerebrais. Enquanto tal não sucede, o corpo, apesar de existir, já não é habitado por ninguém para além de um automatismo de acções e de memórias cada vez mais insípidas e distanciadas da realidade prestes a acolher a sua extinção total. Com o passar do tempo, a existência pessoal esvai-se mas mantém-se vivo o corpo que um dia nos revestiu, corpo esse capaz de olhar mas incapaz de ver, capaz de ouvir mas inábil para processar o que ouve, capaz de sentir mas totalmente inapto para compreender para além dos sentimentos básicos do medo, da fúria ou da tristeza. O mundo passa a ser um lugar em branco, sem qualquer possibilidade de ser colorido ou preenchido.

Lidei e lido com pessoas que me são próximas e que se viram envoltas na malha das demências, cujos mundos em branco se foram expandindo inexoravelmente e em que os familiares surgem como uma plateia que assiste inerte, sem nada conseguir fazer para que a doença progrida ao seu próprio ritmo. Sou por isso muito sensível a esta causa, sou uma aliada pela prevenção do mundo em branco, nutro uma infinita cumplicidade pelos cuidadores destas pessoas e um especial carinho e respeito por todos os que esquecem de si próprios antes do tempo. 

3.9.14

:: almoços perfeitos ::

photo credits: pinterest

Um almoço, para ser perfeito, não tem de ter comida gourmet, de ocorrer numa atmosfera cutting edge ou de exigir uma mesa cheia de amigos (não querendo, com isto, dizer que estes sejam elementos desprezáveis na classificação da qualidade de um almoço, uns mais do que outros, pois claro). Na realidade, concluí que, para que um almoço possa ser apelidado de bom, basta que esteja eu, uma brisa fresca a amenizar o efeito do sol que se quer quente e um prato de comida saudável. O que faz a diferença, e ajuda a compor todo o ramalhete, são os pensamentos que trago comigo para a hora da refeição e que fazem com que um repasto solitário, se transforme numa refeição a dois sem que o silêncio seja quebrado ou a refeição tenha de ser dividida. Habitualmente eu consigo tal habilidade, trazendo um livro, uma revista, ou a galeria de fotos do telemóvel. Porém, da última vez, deixei que os pensamentos ocupassem o melhor lugar à mesa e contassem as suas histórias. Uma vez que tinha estado a ler um artigo sobre viagens de volta ao mundo, daquelas que fazem jus ao conceito, com direito a dedicação total e a uma duração quase nunca inferior a um ano (sonho!), foi precisamente aí que os pensamentos se instalaram e em posição resfolgada fizeram o que quiseram dos meus neurónios desocupados, dando-me a conhecer tudo o que achavam acerca do assunto. Bem, toda esta prosa para dizer que enquanto ia ingerindo a salada de mozzarella e pesto, fui decidindo o tipo de viagem, idealizando o itinerário, calculando os custos, e, entre garfadas, imaginei-me a explicar este desejo súbito de evasão prolongada a um conjunto alargado de pessoas para as quais também imaginei as mais caricatas e/ou receptivas reacções e juro que não dava pelo prato limpo não fosse uma colega minha ter chegado e me ter colocado uma qualquer questão que me afastou por completo do tema que estava a ser trabalhado no meu pensar.   Claro, que isto só pode ser apelidado de almoço perfeito se o assunto em causa for dos bons, daqueles com direito a desfechos do género “Ai, quem me dera”. Se for de outro tipo não vale a pena tentar a experiência, e mais vale aplicar os princípios da atenção plena dedicando-se com exclusividade a saborear a salada e os seus temperos. O que, aliás, também é interessante. “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”*. E dou como exercício de relevo tudo aquilo que implique fazer pequenas alterações de rotina nos vários momentos do dia. Dito isto, amanhã, já levo um livro. E a estrear!

* Fernando Pessoa

1.9.14

:: pôr-do-sol no oriente médio ::

O Sol é só um embora pareçam vários, como uma irmandade. A sua beleza, quer quando nasce, quer quando se põe é sempre digna de contemplação e de registo. Vê-lo a mergulhar nas águas, a desaparecer por detrás de uma montanha ou simplesmente, não o vendo, imaginar o seu subtil apagar, é algo apaziguador. Se pudesse registava todos os pores-do-sol que me coubesse em sorte presenciar nos vários pontos do mundo. Se conseguisse despedia-me dele todos os dias com a solenidade que o momento merece. 

Nas imagens abaixo, deixo por aqui o retrato do primeiro pôr-do-sol que pude presenciar mais a oriente, o que faz dele uma estreia em termos de ponto cardeal. Vi-o a desaparecer segundo a segundo e as diferentes tonalidades que a água e o areal souberam guardar, eu também cuidadosamente as embrulhei na minha memória. O que a câmara fotografa é sempre muito pouco daquilo que a realidade exibe.