Aquilo que me inspira, levo para casa.




2.11.15

Das rotinas e de outros argumentos

Como quase toda as pessoas, gosto que concordem comigo, gosto de observar o movimento afirmativo na cabeça do meu interlocutor enquanto defendo alguma ideia, dando-me a entender que esta é partilhada. Contudo, a troca de argumentos contrários pode ser bastante enriquecedora caso, claro está, sejam cumpridos os critérios necessários para uma discussão séria, honesta e intelectualmente estimulante.

Há algum tempo discutia com uma pessoa acerca da importância das rotinas. Esta pessoa defendia-as avidamente, dizendo que não seria possível vivermos sem elas já que são as rotinas que asseguram o equilíbrio necessário para continuar a viver. A ausência de rotinas levaria, de acordo com o meu interlocutor, à loucura e à incapacidade de resistir ao dia-a-dia. Esta perspectiva, demasiado fundamentalista, ia sendo refutada pelos meus argumentos que incidiam no facto de, efectivamente, as rotinas serem necessárias mas somente até um certo ponto, estando na inovação dada aos dias, muita da felicidade encontrada.

A conversa durou alguns minutos sem que ninguém tivesse saído vencedor, na medida em que cada um permaneceu com as suas ideias iniciais intactas. Porém, este episódio teve em mim o efeito de me deixar a pensar. Realmente as rotinas têm em papel benéfico na gestão dos dias e permitem-nos ter tempo e controlo sobre a vida. Porém não me faz sentido que possamos viver unicamente com base nestes comportamentos repetitivos e pouco estimulantes.

São vários os estudos que indicam que é possível considerar como mais agradável aquilo que é incerto, ainda que nem sempre demos por isso. O paradoxo do prazer diz isto mesmo. Em alguma medida, a incerteza e a incapacidade de controlar as situações são importantes na forma como se desfruta a vida (é preferível ler um livro do qual não se conhece como termina). Contudo, nem sempre conseguimos ver isto com clareza porque a vida, efectivamente, carrega com ela, por vezes, demasiadas surpresas.  Existe uma coisa chamada Nível de Estimulação Óptimo que significa que cada pessoa tem um ponto ideal de incerteza. Abaixo deste ponto a vida torna-se demasiado previsível e controlável, caindo-se no aborrecimento.  Acima deste ponto a vida é, pelo contrário, tão imprevisível e incontrolável que causa ansiedade. No fundo apreciamos as actividades que não são nem aborrecidas nem stressantes e que nos conduzem a um estado daquilo que se design por flow ou experiência óptima. Isto significa que para sermos capazes de apreciar a incerteza e a falta de controlo, temos de sentir que a nossa vida é no geral controlável ou seja de que dispomos de uma plataforma firme que nos sustenta. Apenas quando sentimos isto é que estamos receptivos à incerteza e à falta de controlo. Se efectivamente a vida for demasiado stressante e imprevisível, passamos do nosso ponto ideal e deixamos de ser capazes de apreciar o positivo que se encontra na incerteza.

Ora as rotinas são a tal plataforma que nos sustenta (neste ponto o meu interlocutor tinha razão).  Mas está na capacidade de apreciação da incerteza e da ausência de controlo, o prazer que se retira das situações (e neste caso a minha defesa encontrava-se sustentada).


No fundo precisamos da certeza e da incerteza, assim como precisamos de opiniões, de ideias diferentes e de abertura de mentalidade para que as possamos encaixar com a devida humildade. O perigo está no reducionismo dos argumentos, na intolerância para com as ideias dos outros e no fundamentalismo com que se opina. O equilíbrio tudo explica e a tudo se aplica.  

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