Aquilo que me inspira, levo para casa.




28.4.14

:: mar ::



Mar, metade da minha alma é feita de maresia 
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia, 
Que há no vasto clamor da maré cheia, 
Que nunca nenhum bem me satisfez.
 E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia 
Mais fortes se levantam outra vez, 
Que após cada queda caminho para a vida, 
Por uma nova ilusão entontecida 

Sophia de Mello Breyner Andresen

Viver num país onde o mar sobeja e numa cidade costeira faz de mim uma pessoa grata pela região do mundo onde nasceu. Preciso que os meus olhos saibam onde podem olhar o mar para me sentir norteada. Ainda que o não veja, sabê-lo lá, e antevê-lo pela geografia que conheço de cor, é um sossego que quero por perto. Gosto de escutá-lo quando ele somente murmura enquanto abandona a sua espuma em delicadezas quase imperceptíveis, mas também me arrebato quando ele muda de voz e, de timbre grave, me oferece vagas de salgada hegemonia. O mar tem este duplo estar que o humaniza. Consegue ser manso e ondulante, galanteador e irresistível para momentos depois ser autoritário e opressivo, bravo e intimidante.   



Na verdade consigo passar horas a vê-lo brincar e a falar ao mundo na linguagem que só os outros mares conhecem. Finjo entendê-lo mas sei que jamais alcançarei o significado das variantes do seu som. A melodia que emana apazigua-me os ouvidos mas chega em agnosia ao meu cérebro a não ser que lhe dê um significado. É nesse jogo que me aprimoro sempre que me sento em frente ao mar. Atribuir sinónimos às suas cadências e aos sons que a corrente da água emite, imaginando frases e conversas completas cujo sentido é meu apesar de pode distar da intenção real das marés. Cada um interpreta o mar à sua maneira. É nesta subjectividade de o olhar e de o ouvir que reside todo o encanto desta água amantizada de sal.






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