Aquilo que me inspira, levo para casa.




8.11.11

Romãs



Ainda me lembro do sabor doce daquelas romãs. Estávamos na década de 80 e as tardes passadas na casa da minha avó eram tardes de alegria garantida. Entre piões, bicicletas e livros, o tempo media-se por correrias e arranhões nos joelhos. Por essa altura todos os mimos eram embrulhados e guardados em gavetas para que eu os descobrisse quando lá fosse. Comer romãs era um dos mais bem reservados e ansiados.


Após uma tarde de brincadeiras que tinham como cenário de fundo um quintal com árvores e animais, esperava por mim na mesa da cozinha, uma tigela esmaltada de um branco desmaiado pelo tempo onde sobressaía o vermelho escarlate das bagas de uma romã que se envolviam nas carícias de grãos de açúcar. Primeiro comiam os meus olhos. Depois de saciados, estes davam a vez ao paladar num acto de cavalheirismo de sentidos. Sentada numa cadeira que nas minhas recordações é lembrada como castanha, sentia na minha boca o doce dos grãos brancos a serem distraídos com o ácido da fruta e a cada colherada era me devolvido o prazer de trincar cada baga e sentir o aveludado da sua textura. A tigela era esvaziada a um ritmo lento enquanto eu observava as mãos da minha avó a descascarem novas romãs que saciariam outros apetites e que me despertavam a inveja quando começava a entrever o fundo da minha tigela.


Pouco tenho comido romãs desde esses tempos de infância, talvez porque a preguiça de as descascar me roube a vontade de as comer ou talvez porque me apeteça conservar o seu sabor somente na minha memória, intacto, sem falsificações e fiel a uma imagem de prazer hedonista.

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