
Faz frio lá fora. Começa por ser do vento
e da chuva miudinha que enfeita a paisagem. Termina vindo da neve que forra a
branco todo o panorama visível através das janelas. Do lado de dentro dos
vidros sente-se calor. Começa por ser do conforto oferecido por um hotel que
tem nome e ambiente de casa, mas é aumentado pela troca de conversas entre
amigos que se juntam. O frio de fora não se sente. Mesmo quando estamos na neve
e a água nos encharca os fatos. Mesmo quando a chuva teima em ser tão companheira
como qualquer um de nós. O frio é abafado pelo calor que emana dos risos
evaporados e das palavras que se deixam transportar pelos átomos de uma
atmosfera cálida.
Há muitos anos que não ia à Serra da
Estrela porque a associação directa ao frio, me fazia temer um desconforto
constante, porque a ideia de neve e de monocromia de cores na paisagem, me era
tolerável somente nos postais e nas fotos dos outros. Sempre fui de sol e pouco dada a neve. Mas, ingenuidade minha,
menosprezei o papel que um grupo de amigos, a partilhar roteiros e mesas de
refeição, podem fazer por atenuar todo o possível desaconchego. Esqueci-me de
colocar na equação o papel preponderante de uma boa conversa, de um pequeno-almoço
tomado em cadência lenta, do respeito pelos hábitos e pelos ritmos de cada um,
da partilha e principalmente da cumplicidade (esse conceito tão difícil de
explicar e que é dos melhores que a natureza humana nos oferece).
Esqueci-me também que uma montanha com
neve nos faz regressar ao mais pueril dos imaginários, aos sonhos quiméricos de
contos de fadas, ao desejo constante de trazer connosco todos os pedaços de
árvores, pedras, estradas, arbustos que se deixaram tapar por um manto de uma só
cor. Esqueci-me imediatamente do frio quando o verde se envergonhou e me
ofereceu a alvura somente contrastada com as cores alegres dos fatos daqueles
que fabricavam bonecos de neve.
E depois há os locais de magnífico acolhimento,
de serviço irrepreensível onde os mimos existem sem que por eles se pague, num
acto genuíno de verdadeira hospitalidade. Locais bonitos, confortáveis, aos
quais nos apegamos no primeiro momento porque nos sentimos verdadeiramente em
casa. A Casa das Penhas Douradas está a 1500 metros de altitude mas fica bem
perto do âmago de quem a visita, disso não tenho qualquer dúvida. São os detalhes que fazem a vida tolerável. O quente e o frio só existem na proporção do valor que lhes damos, na experiência que de ambos retiramos.
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