Aquilo que me inspira, levo para casa.




14.10.14

"Her"



Preteri, até ao passado fim-de-semana a visualização do filme Her (em português “Uma história de amor”) do realizador Spike Jonze e protagonizado por Joaquin Phoenix. Já havia visto o trailer, já conhecia o argumento, imaginava que pudesse gostar mas o facto do filme retratar uma história de amor entre um personagem real e um sistema operativo, causava-me uma daquelas dissonâncias que fazem com que inconscientemente o filme fosse ficando de fora dos primeiros lugares da lista de prioridades cinematográficas. Engano meu baseado num preconceito assumidamente instalado.

Antes de falar daquilo que me comoveu e me conquistou, enquanto história de relações humanas, tenho primeiro de elogiar a realização, a fotografia e direcção de arte e a banda sonora do filme. Impecavelmente trabalhadas e esteticamente perfeitas foram encantadoras dos sentidos e manipuladoras da atenção. Ambientes imaculados, contrastantes com tumultos internos dos próprios personagens; cores vivas em momentos de apatia emocional, tudo foi pensado e concebido ao detalhe para ilustrar paradoxos que as realidades escondem. Depois, tenho de enaltecer a soberba interpretação do Joaquin Phoenix que, sem ser propriamente novidade em termos da sua qualidade de actor, assegura incontestavelmente uma das melhores interpretações do ano. A personagem que interpreta é tão real, tão legítima, tão autêntica, que todas as expressão se lhe encaixam, todos os gestos, reacções e sentimentos lhe pertencem. É impossível não gostar do Theodore que ainda por cima escreve cartas de amor como profissão, mostrando que escrever bem, com sentimentos aparentemente estruturados e com mérito reconhecido, é perfeitamente compatível com alguém pouco estável e criativo a nível emocional e relacional. Um dos muitos paradoxos que o realizador faz questão de mostrar. 


Já o filme, mais do que contar uma história de amor (como a tradução portuguesa faz deduzir), mais do que transmitir o sentido do ridículo e do improvável que reveste uma paixão que nasce entre um homem e um sistema operativo de voz feminina, transmitiu-me a noção de solidão. Para mim, o filme ilustra a solidão, a incapacidade de manter relações, de gerir emoções, de preencher a vida para além do trabalho e de um quotidiano parco. O filme não é ausente de aspectos, para mim, menos interessantes, como o não apreciar o facto do sistema operativo passar a ter sentimentos. Essa humanização da inteligência artificial é uma ideia que me desgosta não sei se por achar que insistem nela mesmo me parecendo disparatada, se por não querer aceitar que ela possa vir a existir. O que interessa é que, mesmo correndo o risco de se considerar mais plausível que essa humanização possa acontecer iludidos perante uma voz tão sensual e persuasiva como a da Scarlett Johansson, achei abusivo que algo como os afectos existissem de forma reciproca e correspondida numa relação homem-máquina. 

No entanto, sinceramente, isso pouco importa. Como o filme demonstra, e como tantas realidades dos dias de hoje o comprovam, o corpo, o espaço físico do outro, parece ter pouca importância quando a solidão se deixa amparar pela cumplicidade de algo que escuta, pelo aconchego da voz que responde, pelo estímulo gerado pelas palavras trocadas e que impelem ao toque ainda que imaginado. A solidão alimenta-se desta atenção, ainda que sem rosto, desta compreensão, ainda que ilusória, e, por isso, propicia esta espécie de alienação, de se deixar levar pelas emoções ainda que baseadas num nada, de crer em relações não sustentadas, de acreditar na perfeição de uma relação fictícia cujo futuro ditará a sua extinção.  E aquele personagem mostra tão bem as subtilezas do que é estar apaixonado, o amaciar das expressões, os olhos que se alheiam, o júbilo interior, a ternura que a atravessa. Para depois o objecto de amor ser a improbabilidade na forma de uma voz que ainda assim o compreende e o faz sentir bem, o melhor de si. E isto deixou-me triste e tive uma compaixão infinita pelo Theodore e por todas as formas de solidão que nos afastam de ver com clareza. O amor e a paixão podem e devem ser ridículos, principalmente aos olhos de terceiros, que importa isso?, mas têm de ser possíveis, e de preferência prováveis. Este é um filme que me faria pensar horas porque por detrás do que parece básico está um repertório complexo do comportamento e das emoções humanas, das relações interpessoais e dos estilos de vida actuais. É preciso vê-lo para que  as perguntas se soltem. Talvez por isso o considere, para além de um excelente filme, um ainda melhor incitador de reflexões. Recomendado para ver e pensar.

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